Resolução
1. Introdução: Impossibilidade (Fatos Externos) ≠ Inadimplemento
(Imputabilidade)
Quando se estuda a resolução do
contrato, que na visão da doutrina é uma anomalia, temos que partir da
diferenciação entre 2 conceitos chamados “impossibilidade” e “inadimplemento”,
dos quais, muito embora possamos coloquialmente tê-los como sinônimos, na
verdade não são, são termos que se utilizam para situações próximas, mas não se
confundem.
Ex.¹: A Natália
vai passar uma semana em Bariloche e Marcos vai para a Floresta Amazônica.
Ganharam uma bolsa da Puc, a viagem ocorrerá em julho, estão na véspera para
embarcar, daí o governo argentino fecha Bariloche, diz que não vai receber
turistas este ano, pois uma enorme epidemia de gripe A tomou conta da cidade, já
na Amazônia ocorre outro problema, é obrigatório, segundo o governo brasileiro,
receber a vacina da febra amarela e acabaram as doses da vacina da febre
amarela em julho, logo, não vão poder embarcar.
Ex.²: Chegaram ao
aeroporto, foram fazer o check-in e a companhia aérea diz para eles que o voo
está completo, não vão poder embarcar.
-> Qual a
diferença do 2º exemplo para o 1º? No 1º exemplo, o não cumprimento de um contrato
decorre de circunstâncias externas à atuação da parte, por mais que a Puc
quisesse viabilizar a semana em Bariloche ou na Amazônia, não vai ser possível
cumprir este contrato, por uma circunstâncias alheia ao domínio, a atuação a
parte. Já no 2º exemplo a empresa aérea optou por vender passagens em número
superior aos assentos, porque ela sabe que 10% das pessoas que compram bilhetes
acabam remarcando e 10% não comparecem, por exemplo, então venderam um número
de passagens maior do que a aeronave comportava, mas naquela data todos
compareceram ao aeroporto, esse 2º fato o contrato não vai ser cumprido por um
fato que é imputável a companhia aérea, então no direito dos contratos
utilizamos o termo “impossibilidade” para circunstâncias externas que
inviabilizam o cumprimento do contrato e “inadimplemento” para situações que podemos
imputar responsabilidade. Se a Tam vendeu todos os bilhetes e mais 10, e os
passageiros não conseguiram entrar no avião, ela deve responder, porque o fato lhe
é imputável. Então em nos 2 exemplo o contrato não é cumprido, mas no 1º
(impossibilidade) são circunstâncias que as pessoas não dominam, logo não
consigo perdas e danos na impossibilidade, eu simplesmente ou opto pelo
cumprimento tardio em outras condições, ou opto pelo retorno ao estado anterior
das coisas, por exemplo, alguém foi convidado para palestrar no Piauí, 2 casos:
1º Caso – não vou porque faltou a vacina da febre amarela, a universidade que
me contratou não pode me cobrar perdas e danos, em regra, porque embora ele
tenha feito todo o possível para ir para o Piauí, eu não consegui vacina, o que não depende de mim, e sim da rede pública.
2º Caso – Não fui porque o despertador não tocou, a universidade, em tese, a
luz do direito dos contratos pode me exigir uma indenização, porque houve
imputabilidade, teve inadimplemento. Muitas vezes o autor da ação afirma que
houve inadimplemento, e o réu da ação tenta convencer o juiz que houve
impossibilidade, isto é o normal numa ação judicial, se advogo para o autor
quero retirar perdas e danos (indenização), vou ter que caracterizar
inadimplemento, se advogo para o réu, vou ter que defender o lado dele e
postular o reconhecimento de impossibilidade.
2. Espécies de Inadimplemento:
2.1. Relativo: Ex.¹: Comprei
um carro em 60 parcelas, pagou 58, e não pagou as últimas 2, houve um
inadimplemento relativo, ele quase que cumpriu todo o contrato. Ex.²: Mãe e
filho iriam viajar juntos no avião, na hora não teve vaga, a mãe foi num voo e
o filho no outro, ainda é relativo, porque a prestação (transporte) foi
cumprido, ela vai ganhar indenização compraram, mas a principal obrigação da
transportadora era transportá-los.
2.2. Absoluto (ou Definitivo):
3. Critério: Interesse do
Credor (Utilidade). Ex.: No 10º semestre contrato uma empresa elaborar os
convites de formatura, que ocorrerá em 4 de janeiro, acertamos com a empresa
que ela deve entregar os convites em 10 de outubro, mas estamos no dia 10 de
novembro e os convites não foram entregues, ligo para a empresa e ela diz que
em 1 semana estará na minha residência, pode a empresa entregar em 17 de
novembro? Sim, porque ainda não houve o evento, mas a empresa não pode entregar
em 3 de janeiro, porque não vou conseguir me satisfazer com este contrato, não
haverá mais interesse na prestação, mas se me entregam dia 17 de novembro,
ainda consigo me organizar para salvaguardar a utilidade deste contrato, então
o critério que a doutrina dá é a utilidade ou o interesse do credor, ainda é
útil cumprir este contrato no dia 17 de novembro, porque se eu for encomendar
de outra empresa, vou perder mais 20 dias, então é melhor receber agora, mas
dia 3 de janeiro, não adianta mais, já vou ter arranjado outra maneira de
avisar, não é mais útil os convites. Ex.: Encomendo uma pizza metade margherita
metade portuguesa, o atendente diz que em 40 min estará na casa do cliente,
passou 4h e não entregaram, se a pessoa ainda estiver com fome, vai dizer que
ainda serve o contrato, ela paga, mas ela pode dizer que não me interessa mais
esta prestação, tive que fazer um sanduiche, perdi o interesse na prestação.
Isso que caracteriza o inadimplemento como relativo ou absoluto, o interesse
que ainda tenho ou deixei de ter na prestação. O problema é que há 2 doutrinas
para explicar como analiso este interesse, uma que foi majoritária no séc. 20,
dita subjetiva, e uma doutrina que hoje é majoritário dizendo que há uma
análise objetiva, ou seja, a doutrina
subjetiva diz que tenho que situar Aline e Mauro, e pensar e Aline e Mauro
naquela situação concreta ainda teriam interesse em obter a prestação, por
exemplo, vamos supor que não tocou o despertador de um professor, ele não
conseguiu ir na aula, os alunos ficaram uma manhã sem aula, houve um
inadimplemento de contrato, é possível, dentro da Puc que um aluno se considere
extremamente lesado, porque ele saiu 5h da manhã de casa, pegou 2 conduções,
Trensurb, caminhou, pegou chuva, chegou na Puc, ficou sem aula, então decide
cancelar a matrícula e vai fazer vestibular em outra faculdade para estudar
moda, o juiz interpretará se a conduta do professor e a postura do aluno é
suficiente por si só para quebrar o contrato, se dissermos que o fato de um
professor não ir num dia na aula não é suficiente para quebrar o contrato com a
Puc, estamos na doutrina majoritária que é objetiva, então o raciocínio que se
faz é que alguém que entra na Puc está interessado em estudar no mínimo 10
semestres, ter X horas aulas, X horas complementares, X provas, vai ter tantos
deveres e tantos direitos em relação com a Puc que o fato de um professor não
conseguir comparecer para uma aula é irrelevante, a luz da dinâmica contratual,
logo dificilmente o juiz diria que isto é motivo suficiente para quebrar o
contrato, porque o contrato é muito maior do que o descumprimento parcial de um
dever. Então, na doutrina majoritária, fazemos uma análise objetiva, me
prometeram a pizza em 40 min, ela chegou com 46 min na minha casa, tem provas
nos autos, dificilmente um juiz vai afirmar que o consumidor não deve pagar
pela pizza, porque ele vai ver que uma pessoa que pede uma pizza pelo telefone,
em geral, tem interesse em receber a pizza, e se atrasa 6 min, 10 min ou 30 min,
é razoável, não posso presumir que ele perdeu o interesse, mas se fossemos para
a doutrina subjetiva, tudo depende, a pessoa pode ficar enfurecida se disseram
que a pizza demorava 40 min e demorou 50 min para chegar, a pessoa pode ter
julgado que a maior ofensa que ela recebeu na vida foi ter pego chuva, 3
transportes, para vir na Puc e não ter tido aula, aquela pessoa pode sofrer
isso, mas não é a posição majoritária da doutrina e da jurisprudência, hoje, no
direito brasileiro, há uma tendência a se analisar o fenômeno da resolução, o fenômeno
do inadimplemento pelo seu viés objetivo, e não subjetivo. Então, o critério é
o interesse do credor, por exemplo, uma coisa é me entregarem o vestido de
noiva 10 dias antes do casamento (sendo que o combinado era 15 dias antes),
outra coisa é me entregarem depois do casamento, não tem sentido eu receber o
vestido de noiva após o casamento, será um inadimplemento absoluto, não terei
mais como corrigir, porque não me traz satisfação. Essa análise da satisfação
objetivo é para evitar a pessoa que não tem um comportamento social (dever de socialidade),
todos nós temos um dever de socialidade, ou seja, conviver com outras pessoas, por
exemplo, se alguém disser que a aula de tal professor é muito chata, ele quer
trabalhar com professor, ele tem que saber conviver com este tipo de crítica.
Então, o dever de socialidade é que nós temos que conviver com os outros e para
isso temos que entendê-los e aceitá-los, ainda que os seus atos não nos agradem
o tempo inteiro. Se todo mundo começar a se processar e ficar invocado pelo
comportamento alheio, não vamos viver mais. Certas coisas, como ônibus atrasar
10 min, o avião saiu com 40 min de atraso, o celular não funcionar na hora que
preciso, etc, é da vida, não vai gerar dano irressarcível sob pena de estimular
o conflito dentro da sociedade, e o que o direito quer é a harmonia da
sociedade.
4. A Mora (Estado Transitório): Ex.: A Bruna veio entrar com uma ação contra a Tim, e dizem que teve um problema
com a internet em Roma na época, mas agora estava bom, se ela voltasse para
Roma agora, iria ter internet muito bem, houve atraso na prestação. A mora é
sempre um estado transitório, porque ou ela vai ser purgada/corrigida, ou vai se
tornar inadimplemento definitivo, a mora não existe como instituto jurídico para
durar para sempre, ela tem que ser transitória, se os convites estão atrasados,
terão mais uma semana para entregar, mas vai chegar um ponto que acabou a mora,
ou ela é purgada com o cumprimento, ou ela transforma-se em inadimplemento
definitivo. E de novo no processo judicial vamos ter debate, por exemplo, faz 4
meses que o locatário não me paga aluguel, entrei com ação de despejo, o juiz
mandou citá-lo, perguntou as razões do locatário, ele disse que passou 1 mês no
hospital, se atrapalhou nas contas e está ali com o aluguel de 4 meses com
multa e correção monetária, o juiz despeja o cidadão ou não? O juiz tem que
optar, ou ele vai dizer que a mora foi purgada, está tudo corrigido, volta ao
que erra antes, ou ele vai dizer que como ficou 4 meses sem pagar, quebra o contrato
e despeja. Na Lei de Locações (é bastante pró-locatário) a tendência é sempre a
purgação, nenhum juiz, em tese, gosta de tirar a família de um teto, mas tem
casos que não há outra alternativa. Mas às vezes o locador diz que justamente com
o valor do aluguel que ele paga a faculdade dos filhos, e o locatário vai dizer
que foi demitido, ficou 3 meses sem receita, agora arranjou novo emprego, e com
este valor está quitando as dívidas anteriores, o juiz fica neste dilema. Estado
Transitório: Ou eu purgo a mora, ou está caracterizado o inadimplemento, o
juiz vai admitir a purgação quando ainda hour interesse do credor com
utilidade, por exemplo, meu cliente atrasou 6 meses o pagamento dos honorários
do advogado, agora ele está disposto a pagar com juros e correção monetária,
ele é meu cliente há 5 anos, não tem sentido quebrar este contrato, mas se ele
me contratou mês passado e atrasou no 1º mês, já começou mal este
relacionamento obrigacional.
5. Adimplemento Substancial: Ex.: Comprei um carro, paguei de entrada 20 mil reais, contrai um financiamento
de 24 meses, de regra a instituição financeira exige uma garantia, alienação fiduciária,
que é quando a propriedade fica com o banco que o ofereceu o dinheiro para quitar
a dívida com a concessionária, assumimos um financiamento para ter recursos
para oferecer para a concessionária, quando pago a última parcela, o banco se
compromete a transmitir a propriedade para o consumidor, é assim a lógica do
contrato. Muitas vezes surgem eventos imprevisíveis, por exemplo, o consumidor
perde o emprego, no caso do STJ o sujeito tinha pagado 59 parcelas, e perdeu o
emprego na data que tinha que pagar a última parcela e não tinha dinheiro, daí
o banco entrou com busca e apreensão do carro, já que ele era o proprietário, e
pela letra da lei o juiz tem que deferir, o banco recupera o bem, e o STJ na
déc. de 90 pela primeira vez entendeu que quando o inadimplemento é ínfimo,
logo, quando ele é substancial, não teria sentido quebrar o contrato, porque
seria um efeito muito nocivo para as partes e para a economia como um todo,
pois o banco teria que vender o carro usado para outra pessoa e consumidor teria que entrar com uma ação de
indenização contra o banco para buscar as parcelas do valor que ele pagou, e
isso não é bom para a sociedade, então foi criada a Teoria do Adimplemento Substancial
para proteger a parte que cumpriu grande parcela do contrato. O problema é que
o judiciário vai dizer para o banco entrar com uma ação de cobrança, e hoje o juiz
de direito tem autorização de entrar na conta bancária do réu, e vamos tentar
expropriar bens desta pessoa para quitar a dívida com o banco, então ela vai
ser executada por um bem menos gravoso, ela não perde o carro, como regra.
Hoje, existe um convênio chamado Bacen Jud (antes havia o calvário), onde se
afirma que há um crédito em seu favor, informa o CPF ou CNPJ o executado, se o
juiz está convicto que há este crédito, que há um título executivo, o juiz tem
um convênio com o Banco Central, ele tem uma senha que lhe permite ingressar na
conta dos investimentos dos executados e bloquear os valores para satisfazer o
crédito, então hoje a chance das grandes empresas (Gerdau, Tim, Banco do
Brasil, Santander, Puc) não honrar uma dívida em juízo é zero. Mas se o devedor
é insolvente, não tem aplicações financeiras, daí permanece o calvário, há a
quebra de sigilo bancário, daí a Receita Federal informa nos autos a declaração
de renda do cidadão, não tem bens em nome dele, daí não tem como tirar. Mas
para pessoas solventes, serve bastante o Bacen Jud.
6. Quebra Antecipada do Contrato: Ex.: Faço um contrato em nome da empresa Arroz Tio João e a fazenda que
colhe o arroz, se colhe arroz em abril, digo que quero eu me entreguem 15 mil
sacas de arroz em 1 ano, cada saca é 40 reais, se ofereço comprar a produção a
fazenda do ano que vem por 45 reais a saca, eles aceitam, normalmente em
agosto/setembro plantamos o arroz para conseguir colher em abril, o advogado do
Arroz Tio João vai visitar os fornecedores em Uruguaiana, chego lá em dezembro
e vejo que a fazenda nem começou a plantar o arroz, e a tecnologia/ciência me
mostra que para que o arroz seja colhido em abril, ele tinha que ter sido
plantado em agosto/setembro, estamos em dezembro, a Teoria da Quebra Antecipada
do Contrato funciona assim: Se no curso do prazo, ou seja, antes do vencimento
eu já tenho uma convicção de que fatalmente este contrato será inadimplido, o
direito diz: “Para que esperar esta tragédia anunciada se consumar? Vamos
liberar as partes, vamos terminar antecipadamente o vínculo jurídico que as une
a fim de que elas possam buscar outros parceiros negociais e encontrar a
satisfação através do contrato!”. É bem diferente a postura do Arroz Tio João
quando ele chega em abril e não recebe as 15 mil sacas, o efeito é diferente do
que o efeito que é anunciado quando ele ainda tem tempo de procurar nestes 3
últimos meses comprar um produto de outros fornecedores do Estado. Então, o
Arroz Tio João consegue detectar antecipadamente o inadimplemento, o direito
excepcionalmente tolera que o contrato seja anulado/resolvido antes do próprio prazo
quando é certo que ele não vai ser cumprido, esta é a Teoria da Quebra
Antecipada do Contrato. O raciocínio que a doutrina faz é que todos institutos jurídicos
têm uma função, e a função do prazo é preparar o adimplemento, preciso de prazo
porque preciso economizar tantos reais por mês, preciso plantar, preciso colher,
preciso armazenar, preciso empacotar, e a pessoa não está usando o prazo em
favor do adimplemento, ela está colocando em risco todo o programa contratual,
razão pela qual circunstâncias excepcionais o juiz resolve o contrato. Ex.: A
empresa Encol era uma das maiores construtoras do Brasil, que adotou a praça
que conhecemos hoje em 1992, daí a Encol ofereceu recursos e mão de obra para
entregar para Porto Alegre a praça que temos hoje, mas a Encol faliu no Brasil
inteiro, então os consumidores perguntaram se tem sentido continuar pagamento a
mensalidade dos imóveis que foram comprados na planta quando sei que é óbvio
que não vão me entregar, e o juiz disse que não, que perde a lógica este
contrato, se o contrato é bilateral, a lógica é que eu ofereço se a outra parte
também oferecer, isso é muito comum na construção civil e no mercado agrícola,
pois já dá para saber de antemão se vai ser respeitado aquele contrato ou não.
-> 2 artigos do
CC que versam sobre a resolução: 474 e 475. Art. 475 CC: A parte lesada pelo inadimplemento pode optar, ou
seja, houve o inadimplemento, então ou ela busca a quebra do contrato (se
perdeu o interesse), ou ela busca o cumprimento do contrato (se ainda tem
interesse), quem vai escolher é o credor, em qualquer um dos casos, tem perdas
e danos são cumulativos, porque estamos falando em eventos imputáveis a uma das
partes. Art. 474 CC: Cláusula Resolutiva
Tácita (criação a doutrina), em todos contratos bilaterais presume-se que a
nossa prestação seja justificada pela do outro, se o outro não presta, não tem
sentido manter este contrato, daí se diz que é uma resolução tácita do
contrato, ou seja, óbvio não tenho mais interesse no contrato, pois eu o fiz
para ter a prestação, se não a tenho, não tem mais porquê contratar.
Art.
474. A cláusula
resolutiva expressa opera de pleno direito; a tácita depende de interpelação
judicial.
Art.
475. A parte lesada
pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir
exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por
perdas e danos.